quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

São Bernardo de Corleone (Santo da Sicilia)


Dotado de temperamento violento, extraviou-se no caminho da turbulência; convertendo-se, com a mesma radicalidade seguiu o caminho da virtude de modo a alcançar a honra dos altares
Felipe, como se chamava no mundo esse santo capuchinho, nasceu em Corleone, na Sicília, no ano de 1605. Seu pai era humilde artesão; e a família, tão piedosa que sua casa era conhecida como a “casa dos santos”. Embora não pudessem dar aos filhos uma educação esmerada, transmitiram-lhes a riqueza da prática e ensinamentos de nossa santa Religião.
Entretanto Felipe tinha um caráter fogoso e independente, dificilmente controlando seu espírito rebelde, insensível a ameaças e castigos.
Com o pai aprendeu a profissão de sapateiro, mas, independente e ambicioso como era, logo começou a trabalhar por conta própria.

Após o falecimento do pai, que tinha certa autoridade sobre ele, Felipe resolveu fazer-se soldado. Com seu espírito belicoso, logo começou a meter-se em encrencas, chegando mesmo a tornar-se algumas vezes feroz. A um comissário de guerra que se dirigiu a ele de modo altivo, cortou a cabeça com um golpe de sabre.
Também decepou o braço de um fidalgo que levantara a mão para esbofeteá-lo. Matou três bandidos que o assaltaram e ameaçavam tirar-lhe a vida. Travou vários duelos com companheiros de armas que dele discordavam em qualquer ponto.
Em meio a esses desvarios, entretanto, Felipe tinha alguns bons movimentos. Certo dia, por exemplo, em que dois soldados roubaram de um compatriota seu o dinheiro do trigo que vendera a duras penas, ele os perseguiu e fê-los devolver o dinheiro.

Outra vez, passando com um amigo por um bosque, ouviu gritos de socorro. Acorrendo pressuroso, viu uma jovem que se debatia entre quatro facínoras que queriam roubar-lhe a pureza. Não teve dúvidas: descarregou a pistola sobre o mais afoito deles e fez os outros fugirem espavoridos.
Quando sentia remorsos por sua má vida, fazia alguma boa obra para aliviar a consciência. Mas não ia além. Um dia em que ganhou uma soma considerável, pensou: “É justo que eu resgate alguns dos meus pecados”. E depositou a quantia no cofre de esmolas do hospital.
Seu rancor era proverbial e não perdoava nem mesmo os mortos. Assim, certa vez, quando se realizavam os funerais de um senhor com quem havia tido um atrito, entrou na igreja no momento da encomendação do corpo e, diante da viúva e dos parentes do falecido em lágrimas, começou a gargalhar, para dar mostras de sua alegria por aquela morte.
Isso lhe valeu uma boa sova. Mais ainda: os parentes do falecido entraram em processo criminal contra o brigão, que foi perseguido pela polícia, tendo que se refugiar numa igreja para gozar do direito de asilo.

Chegara, finalmente, o momento para mudança de vida. Abandonado, perseguido pela justiça e pela própria consciência, Felipe foi aos poucos caindo em si. Não tendo outra coisa a fazer, começou a considerar a miserável vida que levava, e quão perto estava de sua eterna perdição. A graça, penetrando em sua alma, fez o resto. Com um coração contrito e humilhado, pediu a Deus perdão por seus pecados e prometeu retirar-se do mundo para terminar seus dias em atos de penitência e de piedade. Depois de uma contrita confissão geral, dirigiu-se ao convento capuchinho de Palermo.
O superior, conhecendo sua reputação, tratou-o com rigor e mandou-o falar com o Padre Provincial, então de visita ao convento da cidade. Este também conhecia a má fama de Felipe e não o quis receber. Finalmente, tocado pelas insistências do infeliz, deu-lhe esperanças de o admitir na Ordem se ele fizesse, à família enlutada, reparação cabal pelo escândalo dado.
Felipe, apesar do obscuro nascimento, era dessas almas que se entregam com ardor ao bem, após ter-se entregue ao mal. Tinha horror à mediocridade e não gostava de meios termos. Assim, por mais dolorosa que fosse a prova, enfrentou-a com altaneria e foi lançar-se aos pés das pessoas afetadas, pedindo-lhes humildemente o perdão.
Aqueles bons cristãos, vendo seu sincero arrependimento, o concederam de coração. Assim Felipe foi recebido no noviciado, mudando seu nome para Bernardo de Corleone, que o imortalizaria. Tinha então 27 anos de idade.

Uma vez postas as mãos no arado, Frei Bernardo não olhou mais para trás, e caminhou a passos largos pela senda da humilhação e da penitência com o mesmo ardor com que se tinha entregue ao mal. De espírito independente antes, mostrou-se agora o mais obediente dos religiosos, procurando mesmo adivinhar o menor desejo dos superiores.
Como antes tinha sido ganancioso e desejoso dos bens terrenos, observou de tal maneira a santa pobreza, que muitos o comparavam ao Poverello de Assis. Nada possuía, a não ser um hábito gasto, um terço, uma cruz e uma disciplina para domar os impulsos desregrados de seu temperamento. Passou a dormir no chão, e apenas três horas por noite.
Disciplinava-se até o sangue e vivia a pão e água. As rudes provas a que o submetiam seus superiores, por mais humilhantes que fossem, apenas aumentavam-lhe o fervor. Sofreu inúmeros assaltos do demônio, os quais, em vez de abalar sua constância, o fortaleciam cada vez mais.
Frei Bernardo, embora simples e sem cultura, atingiu as mais sublimes alturas da oração e mereceu a honra de ser distinguido por graças especiais de Nosso Senhor e da Bem-aventurada Virgem Maria, chegando a conhecer os mais profundos mistérios de nossa Fé.
Em Palermo todos comentavam tão profunda mudança. Um alto funcionário do rei foi um dia ao convento para comprovar o que diziam do antigo malfeitor.
Quando o viu junto a si, tratou-o com altivez e desdém. Mas as respostas de Frei Bernardo foram tão sobrenaturais, tão humildes e desapegadas, que o fidalgo acabou abraçando-o efusivamente, pedindo-lhe desculpas por sua altivez e recomendando-se às suas orações.
No dia da profissão religiosa de Frei Bernardo, o povo de Corleone acorreu em multidão para edificar-se com esse exemplo tão cabal de conversão religiosa.

Foi com verdadeira alegria que recebeu a função de enfermeiro numa época em que havia no convento vários frades com moléstia contagiosa.
Frei Bernardo prestava-lhes os auxílios mais humilhantes, tratando a cada um como se fosse o próprio Cristo Jesus. Foi também ajudante de cozinha e, para exercer melhor a humildade, lavava as roupas dos sacerdotes do convento.
Entretanto, queria mais. Por isso, implorou aos superiores licença para socorrer os habitantes de Scarlato, muitos dos quais morriam por causa de uma epidemia que assolara a cidade. Assim, os habitantes da região passaram a ver nele um anjo tutelar, a quem recorriam em todas as vicissitudes. E vários fatos provaram a caridade e bom senso desse irmão leigo.

Deus queria que Bernardo, por novos sofrimentos, expiasse mais cabalmente as faltas da vida passada. Certo dia os religiosos o mandaram fazer uma viagem por mar, de Palermo a Messina. O barco em que viajava foi atacado por corsários muçulmanos, e ele levado prisioneiro para o Magreb, onde foi vendido como escravo.
Já essa situação de escravidão entre infiéis é de si penosa. Mas a dele foi agravada pelas importunações impuras de uma jovem escrava. Evidentemente ele se opôs com toda tenacidade àquele pecado. O que levou a mulher, irritada, a obter do patrão comum que, depois de o ter espancado severamente, pusesse Frei Bernardo a ferros em imundo cubículo.
Finalmente Deus quis recompensar seu servidor, e numa troca de prisioneiros ele voltou para a Itália.
Na exumação, corpo encontrado incorruptoFrei Bernardo de Corleone fazia-se notar por sua terna devoção à Paixão de Cristo, um profundo amor à Virgem Maria e à Santíssima Eucaristia — e, coisa rara para a época, tinha a dita de comungar diariamente. Praticando o primeiro Mandamento em grau heróico, amava a Deus sobre todas as coisas; e também ao próximo como a si mesmo. Por isso, assolando a peste a cidade de Castelnuovo, obteve dos superiores licença para acompanhar cinco religiosos capuchinhos que lá iam socorrer os atingidos.Entregando-se de corpo e alma ao cuidado deles, sua natureza, antes tão robusta, mas gasta por penitências e privações voluntárias, sucumbiu. Atingido pela peste, Frei Bernardo faleceu no dia 12 de janeiro de 1667, na idade de 60 anos.
Seu funeral foi um acontecimento no reino da Sicília. Tal era a fama de sua santidade, que os grandes do reino quiseram ter a honra de carregar sobre os ombros seu caixão.
Muitos milagres ocorreram junto a seu túmulo, o que levou o arcebispo de Palermo a trabalhar pelo seu processo de canonização. Seu corpo foi exumado sete meses depois de sua morte e encontrado incorrupto. O Papa Clemente XIII beatificou-o em maio de 1768 e João Paulo II canonizou-o em 2001.